NOME DE POBRE NO BRASIL

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

A MULTIDÃO É MÁ CONSELHEIRA. ÀS VEZES, É MELHOR SER SURDO.

Várias calopsitas, de asas cortadas para não voar, queriam subir ao apartamento de seus donos, num andar alto. Os outros pássaros gritavam que elas jamais iriam chegar lá porque não podiam voar. Todas, ouvindo isso, desistiram, mas uma delas, chamada Lalá, escalou a parede sem problemas. Dispensou as asas e escalou a parede passo a passo. Perguntaram como tinha chegado ali, mas ela não soube responder. Era surda! É melhor não dar ouvidos a quem nos desanima!

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

ARQUIDUQUESA DA ÁUSTRIA MORREU POBRE NO SUL Deonísio da Silva
A arquiduquesa Maria Antonia da Áustria, da mesma estirpe da princesa Leopoldina, esposa de Dom Pedro I, e de Sissi, a imperatriz, vivia de recolher sobras de restaurantes do Mercado Público, em Porto Alegre (RS), quando morreu, aos 78 anos, em 1977. Sua vida começara em Zagreb, hoje capital da Croácia, onde nascera em 1899. Quando eu fazia o mestrado na UFGRS, encontrava vários amigos nos mesmos lugares por onde andava a arquiduquesa, nos arredores da Rua da Praia, cujo nome guarda a memória das águas do Rio Guaíba que um dia a banharam: o promotor de Justiça e poeta Carlos Verzoni Nejar, hoje da Academia Brasileira de Letras; o poeta Mário Quintana; o romancista Josué Guimarães; os professores Guilhermino César, Sergius Gonzaga, Voltaire Schilling, Joaquim José Felizardo. Nós nada sabíamos dela. Mas havia alguém que sabia e tinha sido seu colega de pensão na década de 50. Era um menino que tinha vindo de Antônio Prado (RS) para estudar no prestigioso Colégio Júlio de Castilhos. O menino tornou-se piloto da VARIG, depois formou-se em Medicina e hoje é também um escritor dos bons. Seu nome: Franklin Cunha. Na pensão de Abel e Júlia Rubinatto, no número 980 da Avenida Independência, onde hoje está um Banco, teve como vizinhos de quarto a arquiduquesa da Áustria e seu último marido, Don Luis Fernando Perez Sucre. Ela o desposara em 1942, no Uruguai, para onde, já viúva, emigrara com os cinco filhos de sobrenomes Orlandis (do pai) y Habsburgo (da mãe). Há aqueles que pensam que a riqueza, a fortuna e o dinheiro não têm fim. O viés etimológico de Fortuna, que era uma das deusas da antiga Roma, presidindo ao bem e ao mal, já nos deixa desconfiados de que as fronteiras da sorte e do azar são móveis. Fortuna tem o mesmo étimo de forte, conforto, desconforto, fortuito e infortúnio, entre outras palavras. PS. Mais no livro de Franklin Cunha, Uma arquiduquesa imperial entre nós. Porto Alegre, Editora Pradense, 2013.

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

PROPINA E GORJETA

Nem todas as palavras novas sobrevivem. Algumas morrem de mortalidade infantil. Outras vivem para sempre e algumas morrem de velhice, jazendo nos dicionários até que alguém as ressuscite... Lembram-se de "tchuchuca"? Está morta e enterrada. Mas PATRICINHA e MAURICINHO - jovens de cuidados excessivamente formais no comportamento, sobretudo no modo de vestir-se - estão consolidadas nos dicionários. PROPINA surgiu do Latim vulgar falado em Portugal na Idade Média. Sua origem é "pro" (para) + o Grego "pinein" (beber), os populares gole, trago, molhar a garganta etc. No Português dos primeiros séculos do segundo milênio, designava a taberna, estabelecimento que vendia bebidas alcoólicas e petiscos como queijo, linguiça, ovos, peixe etc. A bodega vendia mais coisas. Para alertar as mulheres virtuosas, as PROPINAS frequentadas por prostitutas tinham um RAMO VERDE fixado na porta. Por isso, RAMEIRA tornou-se sinônimo de meretriz, mulher de má vida etc. Este contexto deu à palavra PROPINA um sentido pejorativo: a quantia paga para o prestador do serviço era suficiente para tomar um trago ou fazer uma boquinha naquele tipo de estabelecimento. Até aí, tudo bem. Mas o expediente passou a ser utilizado, não mais como GORJETA. palavra que veio do étimo "gurg", que formou garganta, daí "molhar a garganta", depois "molhar a ão", e , sim, como suborno para o prestador de serviço ilícito. Mas em Portugal, PROPINA designa taxa de algum serviço público, especialmente matrícula em escolas e universidades. Por fim, o povo pergunta pelo dicionário, pois tradicionalmente havia apenas um, no singular, mas agora há muitos em uso. No Brasil, entre os mais consultados estão o AURÉLIO, O AULETE, O HOUAISS, O MICHAELIS E O PORTO EDITORA.

CONTO DE DOSTOIÉVSKI AUSENTE DE SUA OBRA COMPLETA

(Correio do povo, 20.08.2016). Uma criança morre de frio na Rússia do século XIX. O conto A árvore de Natal na casa do Cristo, de Fiódor Dostoievski, não está na chamada obra completa do escritor. Todos sabem que melhor fazem os editores de Espanha e hispano-americanos que denominam “obra escogida” (obra escolhida).
O conto dá a impressão de uma história trivial. Na Rússia czarista (onde), uma criança (quem) morre (o que) de frio (como), junto com a mãe (com quem), numa noite de natal qualquer na segunda metade do século XIX (quando). Outras personagens funcionam como figurantes. Umas, da mesma condição dos outros dois morrem; outras, contrastando com seu fausto a miséria de que são vítimas as primeiras. A narrativa é feita na terceira pessoa do singular e o narrador dá a ideia de que sabe tudo a respeito dos eventos, isto é, apresenta-se como terceira pessoa onisciente. Além do mais, deixa entrever também que sabe tudo a respeito do menor abandonado, pois chega a saber até mesmo o que acontece para além de sua morte e da morte de sua mãe. O narrador que abre o conto não é o mesmo que intercepta o evento no segundo parágrafo. O indicador de mudança da voz não é a troca de cenário. Quem narra e descreve o tempo presente da criança, mais especificamente, os seus últimos momentos de vida, ao remeter o leitor para a cidadezinha anterior, de onde viera o menino, ao tempo que en passant dá um flash das migrações internas e do êxodo rural clássico, acompanhado das desilusões das luzes da cidade, opera a transformação do estilo em passe quase mágico. O tempo verbal passa do passado para o presente, ou por outra: para falar do presente, o tempo verbal escolhido é o passado; ao trocar de cenário e de tempo e falar do passado, o narrador opta pelo presente, como se pode verificar nas transcrições abaixo, onde a indica abertura do conto e b refere a mudança aludida no segundo parágrafo. a) “Havia num porão uma criança, um garotinho de seis anos de idades, ou menos ainda. Esse garotinho despertou certa manhã no porão úmido e frio. Tiritava envolto em seus pobres andrajos. Seu hálito formava, ao se exalar, uma espécie de vapor brando; ele, sentado num canto em cima de um baú, por desfastio, ocupava-se em soprar esse vapor de boca, pelo prazer de o ver se envolar. (...) Tinha se aproximado do catre, onde (...) jazia a mãe enferma. (...) A patroa que alugava o porão, tinha sido presa na antevéspera pela polícia. (...) No outro canto do quarto gemia uma velha octogenária ...” b) (...) “De lá de onde vinha era tão negra a noite! Uma única lanterna para iluminar toda a rua. As casinhas de madeira são baixas e fechadas por detrás dos postigos; desde o cair da noite não se encontrava mais ninguém fora, toda a gente permanece bem enfurnada em casa, e só os cães (...) uivam, latem durante toda a noite. Mas em compensação lá era tão quente, ao passo que aqui...” Onde, porém, não há luz, nem gente na (s) rua (s), há alimentação para o menino, que também é protegido do frio. “Lá era tão quente; davam-lhe de comer”. “Meu Deus! Se ele ao menos tivesse alguma coisa para comer!... E o frio, ah! este frio!”. O narrador resume o contexto: onde há mais gente, o menino está só; onde há mais fartura, o menino passa fome; onde há mais recursos contra a crueldade do inverno, o menino está mais desabrigado diante do frio. Disse o cidadão Dostoiévski: “Nos ambientes mais mesquinhos encontrei as maiores provas da espiritualidade humana”. Diz-nos o narrador com uma frequência que dá bem a ideia desta sua convicção, quase uma obsessão narrativa: onde deveria haver amor, há ódio, pois o filho mata o próprio pai (Os Irmãos Karamazóvi); onde deveria existir misericórdia para os velhos, os novos os trucidam sem piedade (Crime e Castigo); de quem não se pode esperar que venha bondade, o bem emerge de um jogo tese-antítese-síntese, cujo resultado final será um bom ladrão (O Ladrão Honrado); o Estado, apresentado para proteger e defender a sociedade civil, engendra um aparelho fatal que haverá de, através de práticas burocráticas totalitárias, reificar o cidadão (O Crocodilo). Esta dialética peculiar encontra na biografia do escritor o paroxismo maior. O cidadão reacionário é um escritor revolucionário; sua obra está cheia de mortes, de patologias, de crueldade, de dor, mas o que lhe cobre por inteiro é o lençol da sátira menipeia que faz do cômico um trágico e da tragédia uma comédia, tudo misturado em porções bem medidas, que somente um ficcionista que sabe inclinar-se por tais ou quais opções estéticas, é capaz de realizar. Este conto é referencial na obra de Dostoiévski, autor de uma espiritualidade de complexas sutilezas. PS. Este trabalho integra um texto maior, que contou com a orientação de meu professor, recentemente falecido, Boris Schaniderman. * Deonísio da Silva é escritor e professor. Seus livros mais conhecidos são os romances Avante, soldados: para trás (Prêmio Internacional Casa de las Américas) e Lotte & Zweig, já publicados também em outros países, e De onde vêm as palavras.